domingo, 9 de março de 2008

O MUNDO É UM ÚTERO?...

Quem me conhece sabe o quanto me sinto constrangida quando recebo felicitações pelo Dia Internacional da Mulher. Só as minorias tem dia especial e normalmente as discriminadas, neste caso, a data representa o massacre de 130 mulheres que lutavam pelos seus direitos. Em 08 de março de 1857, as funcionárias de uma fábrica de Nova York decidiram fazer uma greve, reivindicando por melhores condições de trabalho, diminuição da jornada (que na época era de 16 horas) e salários iguais ao dos homens (naquele tempo as mulheres ganhavam cerca de um terço do salário pago aos homens). Esta manifestação foi reprimida com brutal violência e as funcionárias foram trancadas dentro da fábrica, que em seguida foi incendiada e aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas.

O meu constrangimento ao receber este tipo de homenagem deve-se ao fato de imaginar a cena de alguém na Polônia no dia 27 de janeiro (Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto) cumprimentando os familiares judeus que morreram na capital polonesa durante a ocupação alemã.


Pelo menos as mulheres precisam saber o significado real desta data. Não é o dia de andar nos shoppings e supermercados recebendo rosas...

No mundo inteiro, nesta data, se discute o papel da mulher na sociedade moderna.


Bem, de todas as mensagens que recebi esta do Jorge Márcio , um amigo querido de muitos anos, que luta pela inclusão, foi a que mais me tocou e gostaria de partilhá-la.

Caro Jorge

O dia que tivermos homens, como você, que pensem e reflitam sobre a data e respeitem os direitos de igualdade aí valerá a pena comemorar. Neste dia, estaremos vivendo um momento onde os homens se tornarão mais sensíveis e o mundo um lugar melhor para se viver.

O MUNDO É UM ÚTERO?... ou de como estão as mulheres e o feminino na busca do PODER.

Uma homenagem ao DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

Hoje dia 08 de março, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres, passei um dia pensando com os meus botões sobre uma forma de promoção da suavidade nessa data.

Lembrei-me, então, mais uma vez, de um texto de um homem, escritor e considerado ‘maldito’: Henry Miller (1891-1980). Este homem, que tanto amou as mulheres, até o fim de sua vida, traz em seu livro A Sabedoria do Coração uma das mais belas crônicas sobre o feminino, o viver e o morrer no mundo. Em seu texto “O grande útero” ele me ensinou, há muitos anos atrás, que: “ Segundo o dicionário, o útero é o lugar onde qualquer coisa é concebida ou trazida à vida. No meu entender, não existe nada exceto útero. Ao todo, há o útero da Natureza; depois há o útero materno; e finalmente há o útero em que em que se situa a nossa vida e o nosso ser a que chamamos de mundo...”.

Compartilho com ele desta visão do mundo, apesar de sabê-lo sem a oportunidade de conhecer/experimentar o que veio ‘nascer e proliferar’ no que estamos chamando de mundo globalizado, depois dos anos 80. Ele não pode conhecer as mulheres aumentando seu emponderamento e sua participação cada vez mais ativa e progressivamente na Sociedade do Espetáculo, do Acesso, da Informação, do Conhecimento e, na minha utopia, das Diferenças. Porém ele acertou quando nos disse que é a incapacidade, de todos os gêneros, espécies, ‘floras e faunas’ humanas, independente de suas escolhas sexuais, de nos reconhecermos em um MUNDO-ÚTERO que vem causando boa parte de nossas desgraças, catástrofes, violências e, como ele afirma, ‘a nossa infelicidade’.

Hoje dia das fêmeas-mulheres-lunares-que-menstruam, aquelas tão bem homenageadas por poetisas, como Cora Coralina e Elisa Lucinda, deveríamos realizar a necessidade de uma intensa afirmação de nosso mundo-útero, de nossa Gaia em ameaça e devastação, ora gritante ora silenciosamente. Afinal todos temem transformar nossa ‘mãe-terra’ em nosso aprisionante túmulo futuro, mesmo que não reconheçam. Caminhamos, homens e mulheres, na negação dos fluxos e das incessantes concepções de heterogeneidades e multiplicidades, nos negamos a produção de gestações de saber e sabedorias potencializadoras de um futuro menos triste e excludente.

Nesse dia, certo de que o futuro é mulher, nunca poderá ser apenas fálico e macho, conclamo as mulheres a refletirem sobre suas aderências aos macro-poderes. Conclamo as mulheres a urgência milleriana de luta por um mundo melhor ainda hoje, agora, nesse instante. O amanhã nos trará a todos e todas, inevitavelmente, o que não falha: a Dona Morte.

Porém, nos corpos femininos, para além da simples gravidez e do parto, com a visão de um corpo apenas procriador, é que germina um desejo de Vida. É das mulheres que podemos extrair as células tronco embrionárias, e com elas a esperança de outros movimentos e soluções para nossos corpos tão frágeis e limitados. É delas que podemos aprender a riqueza da pluralidade e da generosidade de doar expectativa de vida a um Outro. É, também com sua participação, no feminino da palavra Guerra, que precisamos retirar a falicidade dos canhões, ogivas e fuzis e suas mortíferas cargas. Precisamos, urgentemente, não aceitar ou aprovar, em nome de nenhuma ideologia ou macropolítica, que mulheres se tornem apaixonadas por esse tipo de Poder.

Temos o dever ético e bioético de alertá-las sobre as artimanhas das nossas biopolíticas em ação.

Elas, eles e os outros, com nosso indispensável envolvimento, não podem legitimar, por exemplo, a afirmação de um peripatético e onipotente presidente dos EUA, que afirma a necessidade da tortura nos interrogatórios da CIA. Neste sábado, 08 de março de 2008, George W. Bush vetou a lei, aprovada pelo Congresso, que proibiria a utilização de “afogamentos simulados” contra os que forem considerados perigosos para sua pátria e cidadãos/cidadãs ou, então, para o Império que se globaliza. Será que a candidata Hillary, como possível possuidora de um desejo de mundo-útero-feminino, em minha maia e utopia, manterá esta decisão se for eleita?.

O grande útero é, pois, também mais um objeto hoje de tortura. Quando um ser humano é agressivamente afogado, ou seja, quando somos re-imersos em água, de forma violenta, estamos, em ato, experimentando uma das piores sensações físicas: o engolfamento e o sufocamento. Ali não estamos mais no líquido amniótico. Estão nos colocando em uma falsa vida uterina, um aterrorizante momento de ameaça de morte, abalando nosso principal e mais importante desejo de que o mundo possa ser um útero e não um túmulo. Nesse momento é que relembro que uma das mais eficientes torturadoras na prisão de Abu Garib era uma mulher. Nesse momento é que penso nas estão sendo levadas a abdicar de suas suavidades e entorpecem em nome de alguma forma de Poder. Urge buscar, resgatar ou fazer florescer sua suavidade.

Portanto, lembrando e parodiando Simone de Beauvoir, interrogo-me e às mulheres: já que não nascemos mulher, mas sim, com o decorrer da Vida, vamos nos tornando Mulher, o que é que estamos potencializando e produzindo como feminilidade no mundo, hoje?. Estamos, criativamente, nos aliando, todos os homens e mulheres, pois que o mundo não é apenas o mundo humano, para confirmar a potência de que a Terra ‘é sim o útero de tudo, do nascimento, da vida e da morte’. O que podemos fazer, dentro de um paradigma ético-estético e político, para torná-la, a Vida, mais ainda Devir-Mulher?

Jorge Márcio Pereira de Andrade Médico, psiquiatra, psicanalista e analista institucional.

Editor responsável pelo INFOATIVO DEFNET – CAMPINAS – SP

(Copyright JMPA 2008/2009 - republicações favor solicitar autorização ao autor)

3 comentários:

allezoom disse...

OI RE!
Folgo em saber que vc não compartilha com a chamada discriminação positiva, no caso, o dia da mulher: eu acho humilhante(ainda que vários geo-espaços necessitem de uma referência para a ação reflexiva:reformulação ética!). Gostei de sua posição sobre 'flores' em shopping's etc:sedução barata a serviço do consumo prá lá de desumano(acho mesmo que as mulheres são mais suscetíveis aos meandros dos 'ditames' mercadológicos justamente por "suas" questões de afirmação enquanto gênero).
O diabo da coisa (sem ser coisa do dito...rsss) é, acho eu, a dialética da revanche: alguns segmentos do chamado movimento feminista não querem igualdade (taí outra coisa a ser discutida: o que é igualdade?),quer sim, uma "cooisa" tipo o mono-oligo-pólio do poder...
( esta situação "ajuda" a implodir uma perspectiva:que todo ser humano tem, dada sua diferença, a construção criativa de si ... independente das...
referências pré-fabricadas
BJ!!

Regina Heidrich disse...

Quando falo em igualdade é respeito pelo ser humano. Viver com ética pelo "ENTE", o ser independe de sexo, raça ou qualquer outro tipo de discriminação. Ninguém é melhor do que ninguém. Mas ainda existem muitas áreas em que as mulheres recebem um salário menor, ainda existe um grande número de mulheres que apanham de seus companheiros e em todas as classes sociais o maior número de vítimas de abuso é sexual é mulheres.
Um []

Paulo Heidrich disse...
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